Do UOL
O senador Raimundo Lira (PMDB-PB), presidente da comissão de
impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), doou à chapa onde era
suplente para o Senado, em 2010, o valor de R$ 870 mil, utilizando
recursos que ele não havia incluído em sua declaração de bens à Justiça
Eleitoral, feita no ano anterior. De acordo com o TSE (Tribunal Superior
Eleitoral), a doação foi feita em 12 depósitos em espécie (com dinheiro
vivo).
Já o senador alega que houve um erro de informação e que os depósitos
foram feitos por meio de depósitos de cheques na boca do caixa, que
foram erroneamente computados pela contabilidade de campanha como
"doação em espécie". No último dia 26, o senador chegou a apresentar à
reportagem cópias de cheques que teriam sido utilizados por ele para
efetivar a doação, embora não tenha permitido ao UOL fotografar ou
copiar os documentos.
De qualquer forma, na declaração de bens que o senador apresentou à
Justiça Eleitoral em 2010, para fazer parte como suplente da chapa do
então candidato Vital do Rêgo Filho (PMDB-PB), ele declarou um
patrimônio de R$ 54,3 milhões, o que o colocou na lista dos 30
candidatos mais ricos daquela eleição. Este montante incluía imóveis,
automóveis, barcos, um jatinho e ações de empresas de capital aberto,
mas nenhum real em dinheiro vivo ou depositado em conta bancária.
Em entrevista ao UOL, Lira admite que não declarou à Justiça o
dinheiro que tinha em casa e no banco e que foi esse capital em espécie
que utilizou para financiar a própria campanha.
Com os R$ 870 mil que doou à chapa encabeçada por Rêgo Filho, ele
acabou por se tornar o suplente que mais doou para a própria campanha em
2010, tendo sido responsável por 28,9% dos recursos totais declarados
por sua chapa eleitoral. Além desse valor, um filho, a mulher e mais
três parentes de Lira doaram para Rêgo Filho. Assim, a família Lira é
responsável por cerca de 40% do dinheiro utilizado na campanha do atual
presidente da comissão de impeachment.
Raimundo Lira afirma que não declarou os valores que detinha em
dinheiro porque não tinha a obrigação de fazê-lo. "A Lei Eleitoral deixa
a critério do candidato apresentar, na declaração, os recursos
financeiros depositados em conta bancária. É prevista esta possibilidade
por questão de segurança", afirmou Lira, em entrevista ao UOL. Segundo
ele, o candidato poderia correr risco de assalto "se [ladrões] ficassem
sabendo quanto dinheiro o cidadão guarda em casa ou no banco".
Sua afirmação não encontra unanimidade nos meios jurídicos. A
reportagem questionou o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre o
assunto, que afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa: "Não há
nenhuma lei que faculte aos candidatos deixar parte de seus bens de fora
da lista apresentada à Justiça Eleitoral".
Alexandre Rollo, advogado e professor na pós-graduação de direito
eleitoral do Instituto Damásio Educacional, também não enxerga qualquer
possibilidade legal para que candidatos deixem de declarar a totalidade
de seus bens para a Justiça eleitoral. "A Lei Eleitoral (9.405/97) não
prevê a possibilidade de o candidato deixar de fora da declaração parte
de seus bens. A declaração de bens serve para que a população tenha um
controle de quanto o candidato tinha antes do mandato e quanto passou a
ter após o mandato. Se ele deixa o dinheiro em espécie de fora da
declaração, como poderá ser feito este controle?", indaga o jurista.
Já uma advogada eleitoralista que presta serviços a um partido
político, e que por isso pediu para ter sua identidade preservada,
afirma poder haver uma interpretação da lei que faça com que seja
permitido ao candidato não declarar seus bens em dinheiro. "O artigo 11º
da Lei 9.405/97 fala em 'declaração de bens'. Há uma interpretação
possível de que dinheiro em espécie não caracteriza bem, no sentido de
patrimônio. Por essa interpretação, ele não precisaria declarar dinheiro
em conta", afirma a advogada.
De qualquer forma, ainda que a omissão da parte em dinheiro de seu
patrimônio fosse considerada irregular, Raimundo Lira não poderia sofrer
mais nenhuma punição em relação ao seu mandato. A ocultação de bens
poderia configurar crime eleitoral, o que daria margem para uma ação de
impugnação de mandato. A propositura de tal ação, no entanto, só poderia
ter se dado em até 15 dias depois da diplomação do parlamentar no
Senado.
Segundo o advogado Alexandre Rollo, porém, seria possível propor uma
ação penal por falsidade ideológica, cuja pena é de um a cinco anos de
reclusão. mas o advogado ressalva: "Não quero dizer que a conduta do
senador se enquadra no tipo penal previsto. Seria necessário um estudo
minucioso do caso para poder afirmar tal coisa. Caso fosse possível,
como se trata de um senador da República, apenas o procurador-geral da
União teria a competência para propor tal ação", explica o jurista.