Deste
governo há pouco a esperar, mesmo quando, movido pelas circunstâncias,
tenta corrigir os rumos. Tanto quanto popularidade, falta-lhe
credibilidade
Nas
últimas semanas tenho dado entrevistas aos jornais e às TVs, talvez
mais do que devesse ou a prudência indicasse. Por quê? A mídia anda à
busca de quem diga o que pensa sobre o “caos” (a qualificação é
oficiosa, vem da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da
República) em que estaríamos mergulhados e é necessário que vozes da
oposição sejam ouvidas.
A
crise atual marca o fim de um período, embora ainda não haja percepção
clara sobre o que virá. Em crises anteriores, as forças opostas ao
governo estavam organizadas, tinham objetivos definidos.
Foi
assim com a queda de Getúlio em 1945, quando a vitória dos Aliados
impunha a democracia; idem na segunda queda de Getúlio, quando seus
opositores temiam a instauração da “República sindicalista”; o
parlamentarismo, igualmente, serviu de esparadrapo para que Jango
pudesse tomar posse; em 1964 as “marchas das famílias pela liberdade”
aglutinaram as forças políticas aos militares contra o populismo
presidencial e, posteriormente, se entregaram a práticas autoritárias;
deu-se o mesmo, por fim, quando a frente de oposição, liderada pelo
PMDB, em aliança com dissidentes da antiga Arena, pôs fim ao regime
criado em 1964.
Em
todos esses casos, previamente ao desenlace, houve o enfraquecimento da
capacidade de governar e os opositores tinham uma visão política
alternativa com implicações econômicas e sociais, embora se tratasse
fundamentalmente de crises políticas.
Mesmo
no impeachment de Collor, a crise era política e a solução idem.
Naturalmente, ajustes econômicos foram feitos em seguimento às soluções
políticas, basta lembrar a dupla Campos/Bulhões nos anos 1960. Ou ainda,
os planos Cruzado e Real, que se seguiram à Constituinte e à derrocada
de Collor.
No
que se distingue o “caos” atual? Em que ele é mais diretamente a
expressão do esgotamento de um modelo de crescimento da economia (como
também em 1964 e nas Diretas Já), embora ainda não se veja de onde virá o
novo impulso econômico.
Mais
do que de uma crise passageira, o “caos” atual revela um esgotamento
econômico e a exaustão das formas político-institucionais vigentes. Será
necessário, portanto, agir e ter propostas em vários níveis.
Embora
haja alguma similitude com a situação enfrentada na crise de Jango
Goulart, nem por isso a “saída” desejada é golpista e muito menos
militar. Não há pressões institucionais para derrubar o governo e todos
queremos manter a democracia.
Explico-me:
a pretensão hegemônica do lulo-petismo assentou-se até a crise mundial
de 2008, na coincidência entre a enorme expansão do comércio mundial e a
alta do preço das commodities, com a continuidade das boas práticas
econômicas e sociais dos governos Itamar/Fernando Henrique Cardoso.
Essas
práticas foram expandidas no primeiro mandato de Lula, ao que se somou a
reação positiva à crise financeira mundial. Ao longo do seu segundo
mandato, o lulo-petismo assumiu ares hegemônicos e obteve, ao mesmo
tempo, a aceitação do povo (emprego elevado, bolsa-família, salário
mínimo real aumentado) e o consentimento das camadas econômicas
dominantes (bolsa BNDES para os empresários, Tesouro em comunicação
indireta com o financiamento das empresas, Caixa Econômica ajudando quem
precisasse).
Só
que o boom externo acabou, os cofres do governo secaram e a galinha de
ovos de ouro da “nova matriz econômica” — crédito amplo e barato e
consumo elevado — perdeu condições de sustentabilidade.
Isso
no exato momento em que o governo Dilma pôs o pé no acelerador em vez
de navegar com prudência. Daí que o discurso de campanha tenha sido um e
a prática atual de governo, outra. Some-se a isso a crise moral, na
qual o Petrolão não é caso único.
As
oposições devem começar a desenhar outro percurso na economia e na
política. Como a crise, além de econômica e social, é de confiabilidade
(o governo perdeu popularidade e credibilidade), começam a surgir vozes
por “um diálogo” entre oposições e governo.
Problema:
qual o limite entre diálogo político e “conchavo”, ou seja, a busca de
uma tábua de salvação para o governo e para os que são acusados de
corrupção?
A
reconstrução de uma vida democrática saudável e uma saída econômica
viável requerem “passar a limpo” o país: que prossigam as investigações e
que a Justiça se cumpra. Ao mesmo tempo há que construir novos modos de
funcionamento das instituições políticas e das práticas econômicas.
As
oposições devem iniciar no Congresso o diálogo sobre a reforma
política. Em artigo luminoso do senador Serra, publicado no “Estadão” de
26 passado, estão alinhadas medidas positivas, tanto para a reforma
eleitoral como para práticas de governo.
Iniciar
a proposta de voto distrital misto nas eleições para vereador em
municípios com mais de 200 mil eleitores é algo inovador (o senador
Aloysio Nunes fez proposta semelhante). Há sugestões de igual mérito na
área administrativa, como a criação da Nota Fiscal Brasileira, e ainda a
corajosa e correta crítica ao regime de partilha que levou a Petrobras a
se superendividar.
De
igual modo, o senador Tasso Jereissati apresentou emenda moralizadora
sobre o financiamento das eleições, impondo tetos de doação de até 800
mil reais para os conglomerados empresariais e restrições de acesso ao
financiamento público às empresas doadoras. Partidos que até agora
apoiam o governo, como o PMDB, também têm propostas a serem
consideradas.
Sei
que não basta reformar os partidos e o código eleitoral. Mas é um bom
começo para a oposição que, além de ir às ruas para apoiar os movimentos
populares moralizadores e reformistas, deve assumir sua parte de
responsabilidade na condução do país para dias melhores.
Deste
governo há pouco a esperar, mesmo quando, movido pelas circunstâncias,
tenta corrigir os rumos. Tanto quanto popularidade, falta-lhe
credibilidade.